O peso da dívida brasileira inviabiliza investimentos a médio e longo prazos
Posted on 29 de outubro de 2020
A dívida pública prossegue em sua longa e continua trajetória de aumento. A evolução da dívida pública pelos dois conceitos mais tradicionais utilizados no Brasil: a Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG) e a Dívida Líquida do Setor Público (DLSP), em ambos os casos atreladas ao PIB.
Conforme esses conceitos, a dívida tem subido acentuadamente desde o início de 2014. A partir de março/20, na esteira do aumento dos gastos dos governos para fazer frente à pandemia do novo Covid-19, a dívida pública brasileira acelerou seu crescimento. Os dados divulgados em 30/03 pelo Banco Central demostram que a Dívida Bruta do Governo Geral fechou mês aos R$ 5,758 trilhões, o que representa 78,4% do Produto Interno Bruto (PIB).
No melhor momento da série, em dezembro de 2013, a dívida bruta chegou a 51,5% do PIB. Com o aumento de despesas públicas em função da pandemia do novo Covid-19, a expectativa é de que a dívida bruta continue a subir nos próximos meses no Brasil. Este é o sinal amarelo e um dos principais fatores de preocupação dos economistas do mercado financeiro.
A Dívida Bruta do Governo Geral – que abrange o governo federal, os governos estaduais e municipais, excluindo o Banco Central e as empresas estatais – é uma das referências para avaliação, por parte das agências globais de classificação de risco, da capacidade de solvência do País. Na prática, quanto maior a dívida, maior o risco de calote por parte do Brasil.
Diante desse cenário, percebe-se que há ampla predominância de dívida interna (em torno de 95,4%), e (4,6%) em relação à dívida externa. Ademais, há forte concentração em apenas dois itens, ambos de responsabilidade do governo central: que corresponde aos títulos públicos de emissão do Tesouro Nacional em poder do público, no mercado doméstico, e operações compromissadas do Banco Central, espécie de empréstimo tomado junto ao mercado, com garantia dos títulos públicos da carteira da autoridade monetária. Enquanto o primeiro item supre a necessidade de financiamento e refinanciamento do governo central; o segundo resulta do controle da liquidez da economia, embora, ao ter alcançado a atual dimensão, acabou por assumir também caráter de endividamento público. Essas variações apresentadas pela dívida púbica se devem a três fatores principais: a) déficits primários do setor público, em particular do governo central; b) juros que incidem sobre a dívida pública; e c) gestão dos passivos e ativos públicos.
Recentemente ao menos dois importantes bancos demonstraram ao secretário do Tesouro, Bruno Funchal e ao ministro da Economia, Paulo Guedes, a preocupação deles com a sustentabilidade de curto prazo da dívida brasileira. Ambos alertam para a ausência de recursos nos bancos para financiar os mais de 600 bilhões de reais que o governo precisará para rolagem da dívida no curto prazo (próximos 12 meses).
Esse montante, inimaginável para os mortais comuns, não seria um problema para o mercado financeiro em um ano normal. Mas como o Tesouro colocou no mercado, recentemente, muita dívida com vencimento de curto prazo para conseguir se financiar durante a pandemia, muitos banqueiros acabaram queimando seus caixas para aproveitar o momento de títulos curtos e com boa expectativa de retorno.
Hoje os bancos alertam para o próximo ano em que não terão tanto caixa assim para financiar o governo com taxas mais atrativas. Ou seja, ficará bem mais caro. Atualmente o governo já tem dificuldade para colocar no mercado títulos com menos do que 6% de juros anuais — mesmo com a Selic valendo 2% ao ano. Esses banqueiros disseram que isso pode disparar ano que vem, para 8% ou 10%.
O ministro da Economia, Paulo Guedes e o secretário do Tesouro, Bruno Funchal receberam desses banqueiros a proposta para que o governo se financie no exterior. Sim, dívida externa — apesar da conotação negativa e os pesadelos que isso possa gerar em economistas mais conservadores.
A lógica dos banqueiros é que o real se valorizará no próximo ano (2021), o montante não precisaria ultrapassar a casa dos 50 bilhões de dólares para rolar mais de 40% desse dívida vincenda, e mostraria para o mercado que o governo tem bala na agulha para manter o custo da dívida baixo. A premissa é que o dever de casa deveria estar sendo feito agora pelo governo, porque no próximo ano poderá ser tarde, lá todos os países emergentes vão recorrer a bancos estrangeiros para se financiar e o Brasil, com sua nota de crédito pífia, pode ficar a ver navios.
Vamos refletir: … a manutenção da austeridade fiscal – os benefícios de uma política de alongamento da dívida pública com melhora em sua composição seriam verificados a médio e longo prazos, ao reduzir o risco-país e reforçar a solvência da dívida pública, contribuindo para a redução do risco-país.
A estrutura atual de refinanciamento da dívida pública é um dos pontos a ser enfrentado em uma agenda do crescimento, coerente com os progressos institucionais nos campos monetário e fiscal experimentados desde a implantação do Plano Real.
Pensando estrategicamente: … Ao longo dos últimos anos, tivemos progressos pequenos ou quase nulos em termos de melhorar o perfil da dívida pública, em grande parte explicados pela falta de políticas macroeconômicas inconsistentes (ou frente à expectativa de adoção de políticas inconsistentes). O contexto atual mostra que o mercado de dívida pública pode enfrentar crises não ligadas à deterioração dos fundamentos, explicadas tão somente por uma estrutura de mercado atípica que não suporta níveis de volatilidade um pouco mais elevados. Esta estrutura de mercado é ainda um resquício do período de inflação elevada e, portanto, condizente com política econômicas heterodoxas, que reforçavam invariavelmente a preferência por ativos líquidos de curtíssimo prazo, quer por medo de alta da inflação, quer por medo de um calote.
O que temos pela frente? O peso da dívida brasileira poderá inviabilizar investimentos a médio e longo prazos.
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