As ambições das novas gerações

Posted on 24 de março de 2017

Segundo pesquisa, sucessores de companhias familiares almejam deixar a própria marca nas instituições e apostam em conhecimento técnico e experiência para conquistar espaço estratégico nas empresas

Pesquisa da consultoria PwC entrevistou representantes de 268 empresas familiares de 31 países e concluiu que os herdeiros têm se preparado mais antes de assumir cargos estratégicos nas organizações, o que aponta um caminho de maior profissionalização nesse tipo de companhia. Entre os membros da nova geração, 70% acumulam experiências em instituições externas, “o que quer dizer que eles conhecem o mercado e o funcionamento de negócios diferentes para levar conhecimento para dentro das firmas familiares”. É o que aponta Fabiano Tessitore, gerente de Auditoria e sócio da PwC Brasil. Em geral, os herdeiros começam de baixo e avançam de forma constante na empresa rumo ao topo. Isso é importante para fugir da impressão de que eles estão ali apenas por serem da família.

 

“Para minimizar as chances de ter uma reputação comprometida, a melhor saída é se capacitar. Mas é verdade, sim, que, em geral, os sucessores precisam trabalhar mais para provar que são capazes”, observa o sócio da PwC Brasil. O estudo revelou ainda que os membros da nova geração não querem ser meros “zeladores” do negócio e almejam ver a companhia familiar melhorar e se diversificar. “Entre as principais novidades, está o fato de que os membros da nova geração de agora têm muita confiança de que possuem as habilidades necessárias para participar ativamente da empresa e não de forma coadjuvante. Esses jovens chegam cheios de novas ideias e querem deixar a própria marca na administração em vez de apenas ouvir de outros o que devem fazer”, observa Fabiano Tessitore.

Um ponto positivo é que os herdeiros se capacitam cada vez mais para que isso seja possível. “Em algumas companhias familiares em que há plano de sucessão, existem até requisitos de estudo como fazer mestrado ou um curso no exterior”, acrescenta. O principal risco no processo de sucessão é a possibilidade de conflitos. “A geração atual não necessariamente está confortável pelo fato de os descendentes assumirem o negócio ou parte dele. Existe frustração de ambos os lados, porque os fundadores ou os mais antigos podem não receber tão bem as ideias trazidas pelos herdeiros.” No entanto, é inevitável que, em algum momento, a diretoria seja trocada. Para que o processo seja bem resolvido, Tessitore indica o plano de sucessão. “As firmas com melhores resultados apostam nesse documento”, garante.

 

Em território nacional, no entanto, as que contam com tal mecanismo não são maioria, segundo Tessitore. Na diretoria da construtora Conbral, o desenvolvimento de um plano de sucessão está em curso. “Estamos trabalhando nesse aspecto, pois estou me afastando da execução do dia a dia. Vamos nos sentar e discutir, com civilidade, o que será feito”, revela o fundador, Ennius Muniz, 68 anos. Na empresa, aberta em 1968, ele conta com o irmão Paulo Muniz, como sócio, e dois de seus quatro filhos Marcus Vinicius, 42, e Adriana Karina, 45 na linha sucessória. A mãe, Vanda, e diversos parentes trabalharam na empresa. O patriarca, também detentor do grupo Lorde Perfumaria, ressalta que os sucessores começaram de baixo. “Não deixei meu filho, engenheiro civil, vir para o escritório enquanto não fizesse obras. Minha filha é administradora e, como ele, conquistou seu espaço”, afirma o avô de cinco netos. “O mais velho tem 23 anos e vai se formar em administração nos Estados Unidos e, na primeira oportunidade, quero trazê-lo para cá”, programa.

De olho no futuro
Os irmãos Ana Cláudia Graça Couto Miziara, 50 anos, Juliana Graça Couto Amaral, 41, e Leonardo Graça Couto, 39, vêm de uma família com tradição em negócios. Eles comandam juntos a casa de festas Villa Rizza, que oferece bufê e decoração para até 1 mil pessoas. Antes de se situar no Setor de Clubes Sul, o espaço funcionava no Lago Sul, na residência da família. A empresa começou com a matriarca Rizza Vitória Graça Couto e, após a morte dela, há 13 anos, os filhos assumiram. “Minha mãe gostava muito de receber pessoas e, depois que meu pai morreu, foi um processo natural ela começar a fazer disso um trabalho, há quase 30 anos”, revela Ana Cláudia. O patriarca, o engenheiro José Pereira da Graça Couto, veio para Brasília por causa de uma empreitada familiar. “Meu avô era dono de uma construtora, da qual participavam meus tios. Nós viemos para a capital federal para meu pai cuidar de obras por aqui.”
Com a passagem do tempo, a instituição familiar do ramo da construção civil se esfacelou. Para que a casa de festas não tenha o mesmo fim, os irmãos sonham com a vinda de herdeiros para a instituição. “Minha filha mais velha é médica, então não se encaixaria. A do meio é jornalista, e pensamos em um dia trazê-la para cá. Mas ainda tenho uma filha de 13 anos, e meus irmãos têm filhos na infância, então tem muita gente para pensar ainda. Resta esperar, pois o futuro a Deus pertence”, diz.

 

Inovação e hierarquia em equilíbrio

 

Com faturamento anual acima de R$ 1 bilhão, o grupo agroindustrial Bonasa Alimentos está na terceira geração. Fundado em 1964 por Aroldo Silva Amorim, que faleceu em 2002, a empresa tem como presidente Aroldo Amorim Filho, 66 anos. Os netos Aroldo Silva Amorim, 34, e o engenheiro de alimentos Pedro Silva Amorim, 32, ocupam cargos de gestão e estão sendo preparados para o futuro.
“Na infância, meu pai tinha o costume de nos levar para visitar unidades. Era uma diversão. Nunca foi imposição dele que entrássemos para a companhia”, revela Aroldo Silva Amorim, zootecnista. Experiências externas foram importantes para ele. “Estagiei nua empresa de agricultura em Viçosa, e foi bom ter a oportunidade de vivenciar a cultura de outra companhia. Se eu não tivesse passado por isso, sempre me perguntaria como seria trabalhar sem minha família”, diz.
O conhecimento técnico, a dedicação e o respeito fez com que ele conquistasse espaço naturalmente na firma, que tem 5 mil colaboradores. “Sempre procurei respeitar a hierarquia e tenho ciência da minha inexperiência. Sempre que quis sugerir alguma inovação, discuti primeiro com meu superior direto, em vez de atalhar até meu pai”, garante.

 

Outros traços os sucessores

 

Confira conclusões da PwC:

» Sempre pensaram em trabalhar na empresa da família – 58%

» A família sempre esperou que entrassem na empresa logo depois de se
formarem – 40%

» Dizem que as empresas familiares se reinventam a cada nova geração – 50%

 

A cara da nova geração no Brasil
Nível atual

Conselho    53%
Alta administração    23%
Gerência média    10%
Trainee    5%
Iniciante     3%

Idade
Abaixo de 25 anos    8%
De 25 a 34 anos     55%
De 35 a 44 anos     30%
De 45 a 54 anos     8%

Gênero
Feminino     35%
Masculino                                 65%

 

Palavra de especialista

 

Planejamento

Quando surgem perguntas sobre quem cuidará da empresa após o fundador sair de cena, é necessário pensar num planejamento sucessório. Em muitos casos, é indicado fazer uma holding familiar, cujo objetivo é preservar os recursos e transmitir a herança. A vantagem é que, assim, dispensa-se inventário e testamento que, muitas vezes, geram contestações . Quem não pensa em sucessão desencadeia um processo de quebra da empresa. Além de definir como tudo será feito, é preciso preparar os sucessores com transparência. Sei de um caso em que o fundador deixou tudo preparado para que o genro assumisse o negócio, mas não avisou as duas filhas o que desencadeou problemas.

Patrícia Garrote, advogada, dona de um escritório que leva seu nome, especializado em sucessões

 

 

Dicas para a transição

 

Confira orientações de Ítalo Ribeiro, coordenador do programa Sebrae Mais do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas:

» A transição deve ser uma iniciativa do fundador e conversada com todos os herdeiros

» A missão e os valores instituídos pelo criador da empresa devem ser cultivados

» O modelo de gestão deve ser aperfeiçoado, buscando a continuidade do negócio

» Busque transparência e objetividade na divisão das responsabilidades e atribuições, sobretudo na questão societária (cotas, participações, ações)

» É fundamental a implementação de uma gestão por competência e resultados: a empresa não pode se tornar um cabide de empregos ou passatempo para os herdeiros

 


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