A aventura dos meninos da caverna
Posted on 23 de julho de 2018
As cavernas são fenômenos geológicos que, desde os primórdios da raça humana, ocupam um espaço de curiosidade, mistério e reflexão sobre o imaginário coletivo. Mas, afinal, o que elas são? As cavernas ou grutas são cavidades naturais rochosas com dimensões que permitam acesso a seres humanos. Elas surgem de uma série de processos e modificações geológicas que podem envolver uma combinação de transformações químicas, tectônicas, biológicas e até mesmo atmosféricas. Para além de sua atipicidade geológica, as cavernas são ricas e especiais em seus micros ecossistemas: graças às suas condições ambientais exclusivas, elas possuem uma fauna especializada para viver em ambientes escuros e sem vegetação nativa. Além disso, em idades remotas, as cavernas foram utilizadas como abrigo para o homem primitivo e, por isso, não é incomum para paleontólogos estudarem seus interiores em busca de evidências arqueológicas, como peças de arte rupestre e fósseis.
Milênios de evolução, já não fazemos mais das cavernas as nossas casas. Nos tornamos animais sociáveis, inventamos a roda, criamos a escrita e estabelecemos leis. Mas as cavernas ainda despertam o interesse dos amantes da natureza que buscam beleza e aventura – por isso, a maioria está incluída em roteiros turísticos como atrações, tanto para visitação quanto para a prática de atividades como mergulho, escalada, explorações, etc.
Recentemente, o mundo assistiu atentamente uma história dramática envolvendo estas belezas naturais encantadoras: a desventura dos “Javalis Selvagens”. Durante um passeio em uma caverna na Tailândia, doze meninos e seu treinador de futebol se encontraram encurralados pela água e foram impossibilitados de chegarem à saída. Nove dias depois, mergulhadores ingleses em expedição à caverna se depararam com o grupo sobre uma rocha que se sobressaía à inundação geral. Após o encontro, uma equipe composta por mergulhadores e profissionais da saúde foram ao encontro dos Javalis Selvagens para checar seu estado de saúde, alimentá-los e mantê-los entretidos até que fosse montada uma operação salvamento.
O grupo sobreviveu apenas da água da gruta por nove dias. Pesquisadores e membros do resgate afirmam que sua sobrevivência só foi possível por conta da sorte. Depois da descoberta dos mergulhadores britânicos, foi montada uma equipe de resgate que incluía voluntários, especialistas, mergulhadores, drones e até cães farejadores. Também foi montado um plano estratégico de ponta a ponta para a retirada dos Javalis Selvagens – uma das operações, inclusive, resultou na morte acidental de um membro da equipe de resgate. Planejada a estratégia, iniciou-se a operação que foi capaz de parar o mundo. Na primeira etapa, quatro meninos foram retirados na caverna. No dia seguinte, mais quatro. No último dia, os últimos quatro e o treinador foram salvos.
Enquanto os cinco continentes esperavam, ansiosos, pelo desfecho do drama dos Javalis Selvagens – que envolveu uma das maiores e mais complexas operações de salvamento da História – o Brasil também era palco de uma megaoperação de salvamento – com o mesmo direito aos mais categorizados especialistas da área. A nossa operação tupiniquim tinha por finalidade salvar das garras da justiça brasileira os principais protagonistas de um escândalo de corrupção jamais visto mundo afora e que perdura há tempo.
Lá, assistimos o sucesso absoluto das boas intenções que revestiam o episódio quando os “meninos da caverna” e seu treinador foram salvos e devolvidos para o seio familiar. Aqui, felizmente para a nação brasileira, a operação revestiu-se de um fracasso total, graças ao olhar vigilante de alguns magistrados que interferiram para evitar o pior.
Pensando estrategicamente, em momentos de crise é natural – e também essencial – refletirmos sobre nossa capacidade enquanto nação de buscarmos soluções para os nossos problemas – que são muitos, diga-se de passagem: filas de espera gigantescas em hospitais e prontos-socorros, distribuição ineficiente e escassa de medicamentos para a população, escolas paralisadas por falta de pagamentos aos professores, insegurança potencializada pela violência urbana, números colossais de acidentes rodoviários por falta de estradas adequadas, alto índice de desemprego, crise institucional e… bem… por aí seguimos com a lista.
Não seria mais adequado envidarmos os nossos esforços para o salvamento da nação, usando como exemplo a mobilização ocorrida na Tailândia com a operação dos meninos da caverna que resultou em sucesso total? Em nossa analogia tupiniquim, deixar nossos “Javalis Selvagens” (ou Javalis corruptos) no interior da caverna (cadeia) parece ser a melhor solução, pois lá é o lugar merecido para a maioria deles.
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